Movimento Moderado: uma barreira para a escalada do extremismo
Por Juliana Benicio
No início de 2021, o número de insatisfeitos com Governo Jair Bolsonaro aumentava exponencialmente. Eram dezenas de denuncias sendo expostas para todo Brasil pela CPI do COVID e deixando inegável a incapacidade de o presidente entregar ao Brasil o que prometera em campanha.
Nesse momento a mobilização virtual que tentou expor os problemas do Governo Bolsonaro se deparou com uma militância bolsonarista organizada e poderosa, incapaz de aderir ao diálogo. Incapaz também de reconhecer erros e retrocessos para o Brasil. Era a postura idêntica a dos petistas, quando no ápice da lava-jato se muniram de ataques extremistas para evitar a discussão que aprimoraria o fazer político no Brasil. Percebeu-se que o ambiente político não estava apenas polarizado, mas radicalizado. Não se debatiam mais os problemas, os debates eram pautados por trocas de xingamentos que afastavam a sociedade da lucidez. A opinião pública estava sendo altamente influenciada por discursos de ódio e de intolerância.
É fato que o ambiente político no Brasil está tóxico. Amantes do debate político recorrentemente se surpreendem com posicionamentos e posturas radicais nas redes, expressas de diferentes formas e cada vez mais banalizadas. Não é à toa que um estudo encomendado pela Despolarize, uma organização do terceiro setor focada na despolarização política, mostrou que 30% do eleitorado brasileiro é extremista. Na mesma linha, O Globo publicou, em 27/02/2022, pesquisa que demonstra que o Brasil é o país onde extremismo de direita mais avança. Adicionalmente, pontuamos que o extremismo sempre foi campo fértil para atuação e crescimento do autoritarismo. Neste sentido, o Movimento Mobile, ONG que monitora a censura no Brasil, denunciou um crescimento expressivo das ações de censura à cultura no Governo Bolsonaro, todas elas respaldadas e apoiadas por uma legião de militantes radicais. Os números revelam que é preciso agir; sair da teoria e mover ações práticas que tragam ao ambiente político uma sanidade capaz de refutar ideias radicais e, principalmente, resgatar o debate democrático das ideias.
Com o passar do tempo e uma clarificação dos reais conflitos que nos cercavam, identificamos que existia uma legião de moderados desorganizados e sedentos por lideranças que construíssem um novo ambiente político: avesso à polarização, ao maniqueísmo, ao ódio, ao cancelamento irracional.
Passamos, então, a compreender que os extremistas estavam ocupando um lugar muito maior do que uma democracia saudável pode suportar. Era urgente levantar a bandeira pela política moderada e instituir um movimento que disseminasse códigos de posturas moderadas que a sociedade tanto precisava. Foi desse entendimento que surge a “turma do trevinho”, o movimento moderado brasileiro.
Fundamos a ONG do MOVIMENTO MODERADO DO TREVO inspirados na resolução 72/129 da ONU, aprovada em Assembleia Geral em 2017, que orienta:
“a comunidade internacional a promover a moderação como um valor que promove a paz, a segurança e o desenvolvimento e a apoiar o Movimento Global dos Moderados como uma plataforma comum para amplificar as vozes da moderação sobre as do extremismo violento”.
A ONG do Movimento do TREVO tem o objetivo de sensibilizar os brasileiros para a importância de se desenvolver uma postura política moderada.
Para fundamentar a atuação do Movimento do Trevo nos inspiramos, principalmente, na Também encontramos no livro “Faces of Moderation” de Aurelian Craiutu, no artigo “What Moderates Believe” de David Brooks para o New York Times (2017) e no livro “Lições Amargas” de Gustavo Franco. Os pilares de uma atuação política moderada podem ser elencados da seguinte forma:
- Moderação requer coragem:
Não há covardia maior que ser popular no paraíso do purismo ideológico. Sair da zona segura da sua tribo e se jogar em um terreno de embates ideológicos sob diferentes visões de mundo é um ato de coragem pois podem externar a você o tamanho da sua ignorância. Os moderados não têm medo de se enxergarem ignorantes, eles têm medo de morrerem ignorantes.
- Política não é guerra:
Em um estado de direito, os únicos inimigos dos cidadãos são os criminosos e os que vivem na ilegalidade. Portanto, pessoas íntegras que se colocam no debate político com visões de mundo diferenciadas não são inimigas, mas concorrentes capazes de aprimorar nossa visão de mundo e reafirmar nossos propósitos. E só uma concorrência saudável pode nos transformar em pessoas melhores e mais sábias.
- Moderados são reformistas:
A reformas mais importantes que o Brasil precisa só serão construídas com diálogo aberto e corajoso. O Brasil apresenta muitos problemas estruturais e é preciso procurar minuciosamente pelas soluções. Moderados se abrem ao debate para resolverem os problemas da forma mais eficaz possível e não se prendem em discussões ideológicas sem rumo, que constroem uma cortina de fumaça sobre as soluções viáveis e possíveis.
Moderados não são mediadores de debate; pelo contrário, são agentes do debate com foco na resolução de problemas. Moderados estão dispostos a ceder seu protagonismo para a construção de país melhor.
- Moderados não são “isentões”
Moderados apresentam posições claras sobre seus posicionamentos políticos, mas eles não agem com hostilidade com quem pensa diferente. Exercitam a humildade como uma virtude fundamental do fazer político.
- Moderados não negam experiências amplamente aceitas internacionalmente.
Moderados partem do pressuposto que toda ação ou política amplamente adotada no mundo democrático deva merecer atenção e importância no debate político. Logicamente que eles não se fecham a novas ideais, mas elas sempre devem ser comparadas com as ações já difundidas e exitosas.
- O partidarismo não pode ser ofuscante.
Moderados não enxergam a política partidária como uma seita. Logo, por mais que componham o quadro de um partido, e militem para ele, são capazes de reconhecer boas práticas em oponentes e de criticar colegas de trabalho.
- A coerência é dinâmica.
Não existe uma resposta correta e única para as grandes questões políticas apresentadas sob contextos diversos, por isso, moderados entendem que cada conjuntura acomoda uma solução mais viável. Uma política moderada é capaz de buscar essas soluções a partir da tensão entre duas ou mais visões, considerando que cada uma possui um pedaço da verdade. Moderados entendem que a política é um desdobramento dinâmico, não um debate que pode ser resolvido de uma vez por todas.
- Comunicação não violenta.
O exercício do debate respeitoso no ambiente político é importante fator para a construção da civilidade. Em uma sociedade cada vez mais plural é fundamental que as pessoas desenvolvam uma comunicação empática para o entendimento de que a coletividade é um lugar de todos e não uma arena de luta.
O movimento do Trevo quer trabalhar para reforçar essas posturas na política. Acreditamos que se os moderados não tomarem o protagonismo do debate político o que teremos é uma cidadania cada vez mais pobre. A consequência de uma sociedade sem moderados, ou com moderados sem voz, é uma sociedade desproporcional, exatamente como a que vemos hoje, onde a justiça social é construída a partir de visões distorcidas e radicais dos problemas.
A sociedade precisa exercitar a moderação para conseguir enxergar outros pontos de vistas. Quando são liderados por extremistas a coletividade passa a olhar o mundo de forma maniqueísta e não apenas o julgamento é ilógico, mas as consequências desse julgamento também. Ou seja, se você não é um cidadão de bem, você é assassino e merece morrer. Se você não milita contra o racismo, você é racista e merece ser preso. E por aí vai.
A ditadura do extremo traz consequências gravíssimas para a nossa democracia. Além de questionar a própria justiça como instituição, pois cria uma visão paralela de legitimidade, ela cala a reflexão de pensadores, que passam a ter medo externar suas ideias de forma pura e autoral. É urgente reconstruímos um ambiente equilibrado e razoável no debate político brasileiro.
Aristóteles defendeu a moderação como uma das principais virtudes e com papel vital para a construção de todas as formas de excelência moral. Por isso, nós, os fundadores da ONG do MOVIMENTO DO TREVO temos um sonho: que um dia o movimento moderado não seja mais necessário. Nesse dia, os moderados terão se disseminado em nossa sociedade de tal forma, que os extremistas passarão a ocupar o seu devido lugar no debate político: inexpressivo e escanteado.